Não são poucos que, diante do fascínio à luz da ciência, desconhecem a verdadeira face dos experimentos realizados em prol do conhecimento. Talvez consiga elucidar melhor os meus dizeres, uma vez que contar-lhes o que aconteceu a um de meus subordinados. Devo, com antecipação, contextualizar a situação a que nos encontrávamos. Meu nome é Dr. Richard Andon, e há duas semanas fui designado como pesquisador-chefe no setor de biomedicina e genética. Meu novo assistente, David Thompson, introduziu-me ao laboratório.
David era um rapaz modesto, de carreira promissora no campo da ciência biológica. Sua aparência dispensava quaisquer apresentações, uma vez que era dotado do característico semblante “rato de laboratório”. Sei que não deveria descrevê-lo desta maneira, porém não tenho palavras que possam lhe surtir melhor. Era um excelente homem. E naquele enfadonho dia, após uma série de comprimentos e discursos decolegas de trabalho, levou-me ao setor do qual lhes falei.
O laboratório era deveras encantador. Espaçoso o suficiente para as inúmeras aparelhagens que o compunham. Não perderei meu curto tempo para descrevê-las, pois causaria a mim apenas maior ressentimento em perdê-las. Devo salientar que conforme David me acompanhava, atentei a uma pequena incubadora encostada ao canto, como que deixada de lado perante aos demais maquinários científicos. Dentro, pude observar apenas uma placa de petri, enquanto que abaixo, estampada na máquina, havia uma etiqueta onde podia ser lida a seguinte palavra: “BENKI”.
Questionei a David o significado daquilo, a que este me respondeu: Pertencia ao meu antigo chefe, do qual o senhor substituíra. Seu nome é Dr. Brian H. Larsen. E este era o seu experimento particular. Dr. Larsen, muito reservado por sinal, apenas me dizia que estava próximo do que seria “uma descoberta revolucionária ao campo do evolucionismo”. Após sua demissão, fui ordenado a destruir o seu trabalho, mas não pareceu correto desfazer-me dela. Não até pelo menos conseguir algum contato com o Doutor para saber sua opinião.
Aquilo me pareceu no mínimo instigante. Não compreendi, no momento, as razões que levaram Dr. Larson à demissão. Agora, no entanto, tenho minhas suposições confirmadas. David, porém, apresentou-me às demais áreas do laboratório. Em particular, à sala responsável por abrigar a incineradora local. Ao entrar, perguntou-me: Você fuma? E ao passo que respondi que sim, prontificou-se logo a dizer: Este recinto demanda um cuidado especial. Se houver qualquer vazamento do gás que alimenta esta máquina, uma minúscula faísca ou chama pode mandar o laboratório inteiro para os ares.
Recordo-me, até este momento, de seu rosto contraindo-se em um sorriso enquanto articulava estas palavras, pois tornaria a vê-lo não pouco antes do que algumas horas atrás. Estávamos cobrindo turnos noturnos, pois nossos experimentos demandavam constante observação. Foi então que David atentou-me para a incubadora de BENKI, pedindo que eu viesse observar a curiosa placa.
Havia algo ali, sabia disso. Porém, até então, não era possível enxergá-lo a olho nu. Ao contemplá-la, notei a presença de uma minúscula forma esbranquiçada, quase oval, semelhante a uma gota de água. Aproximei-me o bastante para perceber que não permanecia parada, mas movendo-se estranhamente, em pequenos padrões aleatórios. Estava viva, e tanto David quanto eu, olhávamos com fascínio o seu despertar.
Agora, enquanto lhes escrevo, pergunto-me: “O que realmente é BENKI?”, “Como Dr. Larsen criara tamanha abominação?”. Talvez, se certos eventos não houvessem saído de tal maneira desastrosa, poderíamos encontrar estas e outras respostas. Pois conforme acompanhávamos o crescimento de BENKI, percebi de antemão que presenciávamos algo formidável. O trabalho de milhões de anos sendo realizado ali, bem à nossa frente. Como se um número inimaginável de células multiplicassem e desenvolviam-se em velocidade assustadora.
David correu para apanhar a câmera de vídeo, enquanto eu olhava maravilhado para o fenômeno que acontecia dentro da incubadora. A pequena forma crescia, evoluía. A princípio, notei que se assemelhava muito a um girino, ou algo similar. E pude ver o que pareciam membros superiores começarem a se desenvolver. David voltara com câmera em mãos. Era algo que definitivamente teria de ser documentado.
A mim, parecia que aquele ser admirável modificava-se intensamente, e à medida que David filmava, a criatura expandia-se em tamanho e forma. O que aconteceu na verdade foi extremamente rápido, portanto não tenho meios de dar-lhe ênfases com tantos detalhes. Se possuíssemos apenas uma maneira de recuperar o vídeo... Porém creio agora que seja tarde demais. No momento, pude ver os membros e corpo alongarem-se. Os olhos, até então cegos, ganharam cor e brilho. Um focinho começara a tomar forma.
Era como se estivéssemos presenciando o surgimento de uma espécie do gênero Eomaia, porém de pele pálida e totalmente lisa. BENKI, como seu criador o havia nomeado, tornara-se grande o bastante para caber em uma de nossas mãos. Aquilo era incrível, para não dizer inacreditável. Podia-se ouvir claramente a baixa respiração da criatura, que se movia de um lado para o outro dentro da incubadora. De prontidão, pedi a David que não parasse de filmar, e que iria ligar para o departamento contando sobre tal descoberta.
Foi então que, após alguns passos apressados, escutei o barulho de vidro estilhaçando-se, e os gritos enlouquecedores de meu assistente. Corri para onde David se encontrava, e não estava preparado para o que estava prestes a presenciar. Os cristais de vidro da incubadora encontravam-se espalhados por toda a parte, enquanto que David, debatendo-se aflito, trazia BENKI (com quase o dobro de seu tamanho anterior) agarrado a sua face, mordendo e depredando sua carne e sangue.
David, contorcendo em dor, agitava-se com BENKI ainda preso em seu rosto. Paralisado momentaneamente diante de tamanho horror, assisti a criatura rasgar sua pele. Voltei-me a procura de algo que pudesse salvá-lo, mas não havia nada. Em um momento de desespero, quebrei a perna de um dos bancos de madeira, mas quando corri até David, percebi que minhas ações demonstraram-se infundadas. Estirado ao chão, seu corpo agora inanimado, era apenas dilacerado pela criatura raivosa. Não estava alimentando-se de David, mas sim destruindo os seus órgãos com violência absurda.
Emudecido pela agonia e desespero, percebi que não conseguiria enfrentá-la. De algum modo sabia que não teria forças ou habilidades para me defender. Tentei correr para a saída do laboratório, mas BENKI postou-se em meu caminho, como se soubesse de minhas intenções. Em uma tentativa fútil, atirei o pedaço de madeiraem sua direção, irritando-o ainda mais. Voltei-me para a única sala disponível, aquela contendo a incineradora. Em disparada, cheguei até a porta, fechando-a bem a tempo de ver BENKI avançando em minha direção, com dentes propagando-se de sua mandíbula comprida.
Agora estou, neste exato momento, sozinho. Refugiado sabe-se lá por quanto tempo. Com o corpo de meu assistente jazido na câmara ao lado e a criatura atirando-se contra a porta, tentando ultrapassar pela fina espessura de madeira que nos separa. Provavelmente conseguirá atravessá-la em pouco tempo. Na verdade, ainda tenho dificuldades em compreender exatamente como estou conseguindo manter a calma. Talvez em parte porque sei o que devo fazer. Tomei minha decisão há momentos atrás, ao encontrar este computador, que até então julgara estar desativado.
Estou escrevendo estas últimas palavras para que talvez a verdade possa vir à tona. Não salvarei o arquivo deste texto, porque temo que nenhuma mídia física o abrigue com segurança, uma vez que almejo a destruição total deste lugar. Enviá-lo-ei, no entanto, para qualquer local que desejar expô-lo. Despeço-me, pois minhas esperanças de sobreviver a esta situação esvaíram-se totalmente. BENKI continua a todo o tempo arremessando-se contra a porta. Parece-me que aumentou em força e tamanho, assim como em inteligência. No entanto, não darei a esta aberração a satisfação da vitória.
Não vai demorar muito. As dobradiças estão prestes a se soltar. Ele vai entrar, e assim que me ver, correrá em direção a minha garganta. Até lá, irei somente esperar. Com o odor do gás que se espalha por toda a minha volta. Tenho meu isqueiro em mãos. A qualquer momento BENKI irá surgir pelo vão da porta, e eu estarei preparado. Não tenho a mínima chance de sair com vida, mas nem ele terá. Apenas espero que este documento chegue ao Dr. Larsen, para que ele saiba o que aconteceu a seu experimento. E talvez, perceba que algumas experiências não mereçam contemplar a luz do dia.
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