Você deve estar se perguntando "O que será essa tal 'cabra cabriola' ?" É um nome muito estranho, eu concordo, aliás, nem fui eu que coloquei esse nome tão ridículo nesse ser, mas esta é minha história dele. Sou um estudante do ensino médio, mesmo parecendo ter 13 anos (sou magro pra caralho), um pernambucano inútil e que não contribui para seu próprio país (geralmente pensam assim de mim, principalmente por eu ser um filho de um analfabeto), tirando esse fato, tive uma vida muito simples no campo, minha tia fez uma proposta para que me mudasse para casa dela com minha irmã, no ínicio, não quis ir, pois não queria deixar minha amada casa, mas painho (chamo-o assim) ficou me incentivando a morar com ela, dizendo que não teria condições de me dar um futuro descente, coisa que ele nunca teve.
Nossa casa era simples, uma típica casa de taipa, muito pequena, com apenas um quarto, cujo os moradores dormiam em redes, não tínhamos sequer um fogão elétrico, minha mãe, dona Candida, tinha pegar lenha e cozinhar em panelas de barro, enquanto isso, meu pai, José, tinha que cuidar de seu pequeno grupo de sete cabras, que nos alimentavam com seu precioso leite, muitas vezes vi minha mãe cobrando seu José a matar uma das cabras para todos nós comemos, porém ele dizia que era melhor deixarmos elas, porque poderíamos vender seu leite e era melhor ter sete do que seis.
Como minha mãe iria preparar nosso jantar, tive que buscar madeira seca, o que seria algo difícil, já quegrande parte da vegetação se encontrava bem longínqua do solo rachado das redondezas de meu lar. Comecei minha caminhada, acho que naquele dia eram quase 5:29, já que o horizonte escurecia, fiquei com certo receio, de não encontrar o caminho de volta, pois nem tinha sequer um lampião nas mãos.
Respirei fundo, avistei uma árvore, era esquia, pálida e seca, suas folhas não tinham mais a típica tonalidade verdejante, mas sim um amarelado doente. Cheguei bem perto e comecei a arrancar os galhos finos da mesma, faziam um barulho estridente e chato!
Nesse momento, ao puxar o ultimo galho, devido a força por mim exercida, tive que me contrair, para que aquele maldito galho cair, observei na clareira, patas de uma cabra, elas corriam apressadamente, pensei que uma das cabras haviam fugido. Só que minha covardia falou mais alto, arranquei o galho e corri em direção á minha casa.
Abri a porta e joguei a lenha no chão, meu pai me olhou assustado, pensando que eu tinha sido ameaçado por um cão carniceiro.
- O que foi garoto? - Falou, enquanto estava se banqueteando de uma sopa rala.
- Nada, só estava com medo do escuro. - Acho que meu pai pensou que eu era um filhinho da mamãe chorando - Pai, alguma cabra fugiu?
Primeiro ficou pensativo, depois demonstrou saber do que eu falava.
- Não, acabei de verificar, as mesmas sete cabras de sempre. Por que?
- Ah, nada não, agora tô mais aliviado, porque eu acabei de ver uma cabra correndo no mato, não deu pra ver muito, só vi as patas, até pensei em ir atrás, mas tava começando a escurecer...
- É melhor você esquecer, fio , amanhã vamos pra cidade, vender aquele galão de leite.
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O dia amanheceu logo e fomos logo pra cidade, mainha e minha irmã mais nova, Severina, cuidavam de toda nossa refeição e nossa roupa, queria muito ter pelo menos um jumento para irmos em seu cangote. Foi uma caminhada muito exaustiva, mas enfim chegamos a cidade. Painho me levou a enorme feira, lá, tinha uma pequena tenda reservada para nós. De tabuas de madeira e pano de saco.
Esperamos nossa clientela, mas tudo que víamos eram rostos apreensivos e indignados, resolvi sair e perguntar. Me dei de cara com um senhor de bigode e bem gordo, cutuquei-o no ombro e ele se virou em minha direção.
- Com licença senhô, você sabe o que tá acontecendo?
- Não é algo de bonito pra se falar - ditou apreensivo - Como posso dizer? Bem, houve alguns assassinatos, todas elas eram crianças e o assassino deveria usar um martelo ou algo do tipo, porque a cabeça delas, foi afundadas com extrema brutalidade!
Fiquei assustado, geralmente, matavam nessa cidade ladrão com a peixeira, ou uma mulher que traiu o marido, mas nunca ouvi falar de alguém matando crianças á martelada. Voltei para tenda, meu pai já perdia a paciência, no exato momento que ele desistiria, noto alguém se aproximando, era Chico, amigo da família.
- Seu Zé, quanto tempo! - Falou indo abraçar meu pai, Chico estava bem vestido, ao contrário de nós, maltrapilhos, painho retribuiu o abraço.
- Digo Mesmo Chico, como estão as coisas?
- Nada boas, compadre, nada boas! - Chico murmurou, desanimado, quando ele fala, dava pra ver aqueles dentes pretos - Meu afilhado, Juninho, foi morto horrivelmente, a polícia diz que não sabe quem foi, tudo que acharam foi um tufo de pelo preto, o rosto do menino, meu Deus, não quero lembrar...completamente desfigurado. Depois de uma curta analise, disseram que era pelo de cabra.
- Como assim, pelo de cabra?- meu pai indagou.
- Num sei, acharam lá, Juninho era um menino maroto, morreu faz uma semana, os coleguinhas dele falaram que foi a Cabra cabriola que matou meu afilhado. Aquela história pra assustar crianças safadas.
Até aquele momento, nunca em minha vida ouvi falar dessa tal cabra, meu pai nunca havia contado, nem minha mãe, era estranho pensar que aquilo poderia matar crianças, a expressão do meu genitor estava horrorizada, mesmo ele tentando disfarçar, dava pra notar o pavor em seus olhos...
- Meus pêsames - falou ele.
- Tudo bem seu Zé, meu coração já se acostumou com a dor, não se preocupe. Vejo que deve estar cansado, que tal tomar umas comigo? Garanto que vai gostar! Enquanto isso, seu filho pode ficar na minha casa.
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Fomos pra lá, seu Chico me deixou com a chave e disse-me para não abrir a porta pra ninguém, após um falatório
sem
graça, me deixaram sozinho. Posso dizer que gostei muito de passar a tarde lá, havia vários biscoitos e goiabadas com açúcar, comi-os com o maior prazer da minha vida, porém guardei alguns no meu bolso, pensando em minha mãe e em minha irmã.
Duas horas depois, fiquei muito entediado, nada havia pra fazer, além da TV de seu Chico estar pifada, para meu desprazer. De repente, alguém bateu na porta, pensei ser meu pai, pequei um tamborete, encostei na porta e subi nele, abri o pequeno fecho que possibilitava enxergar a outra pessoa atrás da porta, contudo, não era meu pai, seus olhos eram de um verde tão vívido e sua pele era negra, como de um africano (não querendo ser racista).
- Quem é você?
- Sou apenas um viajante cansado, você pode abrir a porta? - Sua voz era rouca e aspera, mas era um tanto atraente. - Prometo que não irei te fazer mal algum.
Minha consciência gritava não, mas como eu era jovem e educado (e muito ingênuo) deixei-o entrar, ele usava um enorme chapéu negro e uma enorme capa de mesma cor, cuja as bordas estavam degastadas, usava uma enorme calça, ela era muito larga, parecia até cairia, e por debaixo delas duas botinas de couro. Seu rosto era curto, negro e muito estranho, tinha uma barbicha saindo do queixo, de mesma cor de sua pele. Ele me deu um reverência e sentou no sofá.
- Ah, muito obrigada menino, está muito frio lá fora! - Falou calmamente - Você não me parece daqui, sua vista cansada me lembra o interior, você é de lá?
- Sou sim, Senhô. Já foi pra lá?
- Várias vezes, lá é muito tranquilo e as crianças são bem obedientes, na verdade, só vou pra lá para descansar depois de um dia árduo de trabalho! Alias, minha ultima visita foi ontem!
Não falamos muita coisa, ele se levantou e olhou pra TV, com uma fascinação um tanto como infantil, pensei que ele se tocaria que a televisão não prestava. Ele esfregou na sua barbicha e por fim, apertou o enorme botão de ligar, a TV apitou e logo começou a ligar, fiquei boquiaberto, deixou na TV Manchete e foi para o sofá, onde sentou-se acomodado.
- Essa Televisão é de ultima geração! Você tem sorte.
- Ah, eu tenho. - Fingi.
- Bem, está chegando a minha hora, preciso ir, como você foi muito educado, vou te deixar... Que tal uma castanha de caju queimada? Soube que é um petisco delicioso - Pôs as mãos no bolso da calça.
Estendi minhas mãos e ele encheu-as completamente, deu um ultimo aceno, ajeitou o chapéu e foi-se.
Meia hora, meu pai chegou, seu rosto um pouco avermelhado, devido aquela bebida, nem iria me perguntar o que ele tomou, Chico foi em direção a cozinha, enquanto que meu pai deitou-se no sofá, um pouco tonto, olhou na minha direção e notou a TV ligada.
- Pensei que tava quebrada.
- Ela tava painho, mas um senhô veio e a concertou.
- Que senhor? O que eu falei antes de sair? - Gritou, numa explosão repentina - Me explique direito, pirralho!
Com certo receio de apanhar de seu cinto, resolvi falar, mesmo trêmulo:
- Um senhô de chapéu e botina veio, dizendo estar com muito frio, ele prometeu não me fazer mal, então acabei cedendo, falou que era um viajante e reconhece que eu era do interior, disse que lá tinha crianças obedientes e depois falou que ia pra lá, descansar, falou também que esteve ontem lá, e logo depois concertou a TV! Olha! Ele me deu estas castanhas de caju!
José nada disse, com a mão direita, as tomou de mim e pôs na boca, começou a mastigá-las de boca aberta, numa raiva inexistente que nunca havia presenciado, sua mandíbula movia-se irregular, enquanto pedaços de castanha caíam de sua boca junto com saliva, no fim, acabou estragando todas elas.
Aquele não parecia ser meu pai, parecia que um santo baixou nele. Por fim, caiu em prantos, de joelhos no chão, enquanto chorava alto, eu mais me desesperava.
- Painho, o que foi? Por favor, me diga!
- Isso não devia acontecer, fio, mas já aconteceu. Sabe essa tal "cabra cabriola"?
- Não - cortei-o, ele deu um tapa seguro na minha cara, não me contive, chorei um pouco devido a dor.
- Não me interrompa! Pois bem... - engoliu o choro - quando era pequeno, eu era um menino obediente, já que meus pais falavam sobre esses monstros: Cuca, bicho papão entre outros, já meu irmão João, não acreditava nisso, continuava agir como um diabo! E minha mãe avisava do perigo. Um dia, eles nos deixaram sozinhos em casa, para comprar pão e vender algumas galinhas, no incio, nem me importei, em seguida fiquei apreensivo por causa dos monstros, João não. Nem parecia afetado. Logo, ouvimos em nosso telhado, sons de passo e de repente, alguém apareceu na nossa sala, do nada! Seu corpo era negro, sua cabeça era um pouco pequena e nela haviam grandes cornos, seu tronco e seus braços eram humanos, mas suas pernas eram que nem as de uma cabra, ele nos olhava com maldade, meu sangue gelou! Ele deu um pulo enorme e foi parar bem perto de Pedro, primeiro apertou o pescoço do meu irmão, esganando o coitado e depois abriu a boca e começou a comer lentamente sua cabeça, enquanto João ainda se debatia chorando. No fim, a cabeça dele ficou destruída, a cabra o jogou no chão e começou a esmagar seu tórax com seus potentes cascos, no fim, tudo que sobrara era uma pasta de carne de ossos, eu havia michado de medo e não parava de chorar, ele se aproximou de mim e disse com aquela boca suja de sangue "Eu só não te peguei, porque você é obediente, bom menino!" - Afagou minga cabeleira e foi embora!.
- Sinto muito papai, e o que fazemos agora? - Interroguei-o apavorado.
- Vamos pra casa.
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Painho e eu fomos, ele pediu a Chico a espingarda e um burrinho, como ele era nosso amigo, nos deu sem pestanejar, cavalgamos no lombo do bicho, já escurecia rapidamente, porém chegamos a tempo em casa sem nos perdemos da rota, ele amarrou o jumento no cercado das cabras e depois trancou a porta.
- Presta atenção muiê, leve Severina pro quarto e o tranque muito bem, lá tem imagem de santo, acho que o bicho não vai entrar, entendeu?
- Ma-mas o quê tá acontecendo Zé? - ela disse, enquanto lavava uma blusa em um pequeno balde.
- Não sei dizer, querida, só não quero que nada de mal lhe aconteça, agora vá! - Meu pai pegou-a no braço e a empurrou pro quarto, Severina brincava com um pequeno sapo, pedi que ela fosse também, se não papai iria matar o animalzinho, temendo pelo sapo, ela seguiu, num chorinho infantil.
Ficamos na sala, observando a porta, já que eu era também um "cabra homi" , pofia ficar e auxiliar o blefe do meu pai, nada contra ele, só que naquele instante não levei-o a sério, o bicho poderia nem vir. Mais uma hora se passou, e estava consideravelmente cansado, até que comecei a escutar grunhidos estranhos, vindos de fora, deveria ser mais de um individuo, pensei que as cabras corriam em perigo, abri levemente a porta, com o consentimento do meu pai, a brecha era bem pequena e tudo que pude ver foi uma cena horrível, o burrinho tava normal, só que havia um problema, das sete cabras, três estavam no chão, completamente zonzas e com as patas traseiras feridas, outras três permaneciam em pé, olhando acuadas uma... O que simplesmente vi era uma especie de homem montado em cima dela, mordendo a nuca dela e a arranhando, enquanto penetrava com violência, o homem era chifrudo, tinha uma cauda de bode e pernas de cabra, meu coração disparou, principalmente quando o ser virou o rosto pra mim, o rosto negro de olhos verdes e um sorriso perverso, o mais horrível que vi em toda vida.
- Pai, é ele! - Gritei, fechando a porta, pai puxou-me pra trás e mirou o longo cano da espingarda na mesma. Foram segundos de tensão, até a porta ser quebrada parcialmente por um casco de cabra, o bicho coiceava-a com força, até não sobrar nada dela.
Não posso culpar meu pai por não ter atirado naquele momento, ele permanecia em choque, tremendo um pouco suas pernas, o ser riu com malícia.
- Essas suas cabras são meretrizes ótimas, mas eu vim buscar outra coisa, se é que me entende! - Ele atirou, a bala apenas atingiu o casco da Cabra, sem fazer qualquer efeito, ela apenas correu em direção do meu pai, apavorado, joguei um bote de barro na perna dela, desequilibrando-a, painho aproveitou o momento e acertou o cano da espingarda na cabeça dela, apenas ouvi um urro baixo de dor e depois ela concentrou-se em atacá-lo, pisou com sua enorme pata, no pé direito dele, fazendo o mesmo contrair-se de dor.
- Deixe ele em paz! - Urrei, tentando chamar a atenção dela, porém não adiantou, fui atrás de suas costas e comecei a socá-la com ira, não fazia o efeito desejável, queria que ela sofresse cada golpe, apenas se virou com aquele sorriso.
- Nada de incomodar os mais velhos, menino! - Apos isso, coiceou-me na altura da barriga, o impacto foi grande, pois fui praticamente jogado na parede, sentido uma enorme dor dentro de mim, tentei me levantar, só que o flagelo era enorme e nem sequer pude ficar de pé. Naquele momento de distração, meu pai se afastou dela num pulo, mesmo tendo o pé esmagado, mirou novamente pra ela e atirou na cabeça, infelizmente, acertou seu longo chifre pontudo. - Que menino desobediente, eu sabia que você se tornaria um mal menino!
Cabra cabriola se aproximou mais uma vez dele, segurou-o pelo pescoço e simplesmente o imobilizou numa chave de braço, depois, começou a girar o pescoço do mesmo, até ouvir um forte estralado, ela quebrou o pescoço dele.
- Pai! Pai! Não, por que você fez isso?
- Porque ele foi um mau menino. - Escarniou, depois, aproximou do corpo e com seus braços fortes, arrancou a cabeça dele, deixando uma enorme poça de sangue, carne rasgada e os ossos de sua vértebra expostos, além de que eles estavam quebrados. - Não se preocupe, você e sua família são obedientes, por isso sei que vocês não vão contar pra ninguém, promete? - Ela (ou ele) se aproximou de mim, com a cabeça de painho nos braços.
Queria mandá-la pro inferno, queria chamar a mãe dele de puta ou qualquer coisa do tipo, entretanto, eu era um covarde. Queria viver.
- Eu prometo. - Atuei novamente.
- Bom menino! - Acariciou minha cabeça, com sua mão coberta do sangue de meu pai - Tome essa castanha, menino. - Ela a colocou na minha boca e mastiguei aquilo, chorando e engolindo meu próprio catarro e lágrimas.
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Agora estou em Olinda, me mudei um pouco depois com Severina, pra casa da minha tia, quanto ao meu pai, nós falamos que ele saiu pra procurar lenha e nunca mais tinha voltado, logo após, minha mãe acabou morrendo de profundo desgosto, eu sei que é crueldade de minha parte. Eu matei minhas cabras, só de imaginar demônios iguais aquela abominação rondando por aí.
Por isso escrevi tudo isso no meu diário, não quero avisar ninguém. Só quero que saibam o porque sou assim, fechado e deprimido.
O que mais me atormenta é o dia do folclore, dia 22 de agosto, pois toda vez que vou para escola, vejo as crianças pequenas cantando a música daquela besta, mesmo desconhecendo o perigo, geralmente evito, fico trancado em casa, ou passeio com minha irmã na praia, onde tem MUITA gente. Mas a questão maior é: Você é uma criança obediente?
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