A temperatura estava muito baixa, rajadas de vento eram lançadas em um
curto espaço de tempo e muitos podiam jurar que aquela era, sem sombras de
dúvida, a pior frente fria registrada em muito tempo. Os trovões seguidos de
relâmpagos ecoavam através da rua de uma forma muito barulhenta, porém ainda
levaria uma boa quantidade de tempo para que a água começasse a cair dos céus.
Pelo menos era aquilo que Ricardo achava que iria ocorrer.
Fazia pouco mais de vinte minutos que havia acordado e estava observando o teto
de seu quarto, como se lá em cima tivesse alguma coisa importante para ser
observada com tanta atenção, mas de qualquer forma não conseguia voltar a
dormir. Algumas vezes olhou para sua direita para ver o berço, o qual ficava
encostado na parede cerca de cinco passos da onde Ricardo dormia, e apreciava
seu pequeno filho dormindo. “Ele é tão perfeito”, costumava pensar durante o
dia e dizer a seus amigos e familiares sempre que tinha a chance.
Já na sua esquerda, sentia a presença de Daniela e também conseguia ouvir sua
respiração pesada, que não chegava a ser um ronco irritante, apenas demonstrava
que estava tendo uma ótima noite de sono, completamente oposta do que ele
estava passando. Apenas pelo simples fato de estar no mesmo cômodo junto dos
dois, Ricardo já se sentia feliz e em um estado mental tranquilizador. Amava os
dois mais do que a própria vida.
Conseguia sentir o sono se reaproximando, seu corpo já estava fora de seu
controle até o momento em que um forte raio acertou um disjuntor num poste no
final da rua, causando um forte som devido à explosão e fazendo com que os três
acordassem assustados quase que no mesmo instante. Aquela seria uma longa noite
e Ricardo já havia realizado aquilo. A única parte boa de tudo aquilo era o fato
de já ser domingo, embora ainda fossem as primeiras horas da madrugada, e
poderia dormir tempo suficiente pela manhã para compensar a péssima noite que
estava passando.
Não demorou nem dois segundos até que Henrique começou a chorar e Daniela dar
um verdadeiro pulo da cama, usando os dois braços para dar um forte abraço em
seu marido, que também se levantou o mais rápido possível.
- O que aconteceu? – perguntou Daniela dando um grito e respirando pesada e
rapidamente.
- Apenas um raio – respondeu Ricardo da forma mais calma possível enquanto
calçava seus chinelos – Deve ter acertado um poste ou algo do tipo. Deixe que
eu pego o menino e você se acalma enquanto isso.
Apertou algumas vezes o interruptor em cima da cama, mas obviamente a casa
estava sem energia, da mesma forma que provavelmente o resto do bairro também
estava e a única “luz” no ambiente saía da Lua. Ricardo se levantou, andou os
poucos passos até o berço e carregou seu filho. Precisou de pouco tempo para
acalmá-lo e viu que sua mulher estava quase adormecendo, mas os três voltaram a
se assustar quando um barulho, parecido com o de uma porta se batendo, surgiu
no andar de baixo da casa.
- Segure-o que eu já volto – disse Ricardo entregando o bebê à Daniela antes
que ela pudesse dizer algo – Aproveito e já trago algumas velas.
Não fazia a menor ideia do que havia causado o barulho que, de certo modo,
tinha causado um leve arrepio por seu corpo, mas como aquela estava sendo uma
de suas piores noites na vida, tudo estava cooperando para que continuasse
daquela maneira. Passou pela porta do quarto, andou mais um pouco até chegar à
escada.
Mal conseguia enxergar seus pés, portanto desceu a escada da mais lenta e
cuidados forma, colocando os dois pés juntos em cada degrau e se apoiando no
corrimão. Estava na sala e começou a caminhar pelo local, dando algumas
observadas na tentativa de encontrar algo que poderia ter causado o barulho.
Enquanto “brincava” de detetive o vento continuava forte do lado de fora, os
trovões surgiam em pequenos intervalos e mais um forte barulho surgiu, fazendo
com que sua mulher desse outro grito na parte de cima. O barulho saía da
cozinha.
- Calma querida, não é nada demais, daqui a pouco já irei subir! – gritou
Ricardo numa tentativa de tranquilizá-la. Odiava vê-la com medo ou qualquer
coisa que a deixasse desconfortável.
A cozinha era pequena e não demorou muito para que Ricardo a revirasse na
tentativa de algo, mas em vão. No instante em que estava lá um relâmpago
iluminou-a inteira, dando tempo suficiente para uma observação na claridade e
dar a total certeza a Ricardo de que não havia nada por lá de diferente. Apenas
abriu o armário, pegou as duas únicas velas que estavam lá (mas eram duas velas
grossas), uma caixa de fósforos e voltou para subir as escadas.
Subiu da mesma forma que havia descido, com toda paciência para evitar uma
queda, o que não seria muito difícil de acontecer para alguém que estava
passando uma noite difícil como aquela. Quando estava no antepenúltimo degrau
conseguiu ver que uma leve luz vinha de seu quarto, era possível perceber que
algo estava aceso lá dentro. Andou um pouco mais rápido do que estava
acostumado a andar dentro de sua casa e no momento em que entrou no quarto não
conseguiu fazer outra coisa a não ser ficar paralisado boquiaberto e derrubar
as velas e o fósforo no chão.
Daniela estava caída de bruços no chão ao lado do pé da cama com uma poça de
sangue se formando logo abaixo de seu corpo; era possível ver que seu curto
cabelo loiro estava sujo de sangue, indicando que o pescoço estava com várias
mordidas violentas, assim como suas pernas, seu corpo (seu pijama estava
rasgado e manchado de sangue) e um braço havia sido arrancado. Seu filho
Henrique estava sentado logo à frente do corpo, segurando o braço arrancado da
mãe logo à frente de seu rosto, como se o estivesse comendo; o sangue já ia
formando uma trilha do corpo e ia se arrastando até a porta e o braço, que
estava sendo segurado pela criança, expelia uma enorme quantidade de sangue,
aumentando ainda mais a brutalidade daquele ato.
Henrique largou o braço no chão e lentamente se levantou, virando o rosto para
Ricardo. Seu rosto não era mais de uma criança de um ano e meio, nem de nada
que pudesse ser chamado de humano: Os olhos estavam arregalados, a boca
revelava um sorriso demoníaco e que revelava ser uma expressão “alegre”, ele
estava gostando do que estava fazendo.
As primeiras gotas de águas começavam a cair do lado de fora, os trovões
continuavam e do lado de dentro Ricardo permaneceu imóvel observando a criança
parada a poucos passos à sua frente, sem se dar conta de que a luza que era
emitida pelo quarto não possuía uma fonte, era uma luz que surgia do nada. Não
sabia o que fazer, ele havia matado sua mulher, mas não deixava de ser seu
amado filho, e enquanto os dois estavam imóveis uma espécie de sombra saiu do
corpo de Henrique e foi em direção de Ricardo, derrubando-o de costas.
Demorou quatro segundos para abrir os olhos novamente, pois a pancada na cabeça
havia sido forte o suficiente para quase desmaiá-lo, mas apenas quase. Quando o
abriu viu que seu filho estava em cima de seu corpo, ainda continha aquela
expressão perturbadora em seu rosto e Ricardo conseguia ver algo logo atrás de
Henrique, aquela mesma sombra que tinha visto há pouco tempo atrás, mas estava
conseguindo vê-la detalhadamente: Lembrava o corpo de um homem, porém não o
corpo de um homem comum, pois aquela sombra continha duas coisas na cabeça que,
à primeira vista, lembrava um par de chifres.
Estava tentando observar melhor aquela sombra até que Henrique começou a
estrangulá-lo com tamanha força que Ricardo conseguiu deduzir que a sombra
transmitia aquela força para a criança de alguma forma. Tentava tirar as duas
mãos de seu pescoço, mas era impossível pelo fato da força ser muito maior e quando
não conseguia encontrar uma solução lembrou-se das velas caídas logo ao seu
lado. Conseguiu alcançar uma delas e bateu com a maior força que pôde na cara
de Henrique, derrubando-o no chão com muita força.
Esperou mais alguns instantes e percebeu que a criança não iria se levantar,
nem fazer mais nada, portanto Ricardo levantou-se com certa dificuldade, pois
sua cabeça doía muito, e olhou para o corpo de Henrique esticado ao chão, com
uma grande quantidade de sangue começando a sair de seu nariz e sua boca.
Estava com os olhos abertos, mas a expressão em seu rosto era a de uma criança
normal novamente, mas era apenas uma criança morta. Logo ao lado estava o corpo
de Daniela todo desfigurado devido uma morte de incalculável monstruosidade.
Deu mais uma olhada através do cômodo e percebeu que não havia mais nenhuma luz
por lá e nem uma sombra rodeando o local. A chuva estava forte do lado de fora,
os trovões continuavam a fazer barulhos e todo aquele cenário estava fazendo
parte de uma noite em que tudo estava dando terrivelmente errado. Tudo mesmo.
17 de ago. de 2013
A Sombra
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