O garoto colocou a cabeça contra a parede. Ela estava parada logo atrás dele, esperando. Então começou:
- Um, dois, três…
E Ana saiu correndo. Tirou os sapatos para que fosse mais quietinha - não queria deixar nenhum rastro, nenhuma dica de onde iria se esconder. Fuçou na cozinha. Será que ia caber dentro dos armários? Examinou um instante e decidiu que não. Mesmo se conseguisse se enfiar, as panelas fariam barulho. Derrubou algumas para despistar e voltou à sala. Ele ainda estava no quarenta.
Deslizou com as meias pelo corredor. Tão rápido e discreto! - teve que cobrir a boca, para ter certeza que não ia fazer som algum. O quarto dos pais.. o quarto dos pais!... abriu a porta, mas não teve coragem de entrar. Os dois estavam deitadinhos ali na cama, a TV ligada. Sabia que podia ir e se esconder porque eles não iam a entregar, mas preferiu procurar mais.
Lá da sala, ele gritou sessenta.
O banheiro! Ah não, o banheiro não. Sua irmã estava lá tomando banho antes deles começarem a brincar. O banheiro estava um caos. Sem contar que fedia! Espiou pela fresta da porta, só pra ter certeza, e sim, a menina ainda estava lá, esparramada na banheira, com fones no ouvido, sem mover um músculo sequer. É claro que estava. Dali da porta mesmo Ana conseguia escutar um pouco da música. Saiu correndo, de novo.
Lá da sala, veio um oitenta.
Restava tão pouco tempo... o quarto! O quarto delas. Não queria se enfiar debaixo da cama, era o esconderijo mais óbvio de todos. Nem no armário, que, para começar, estava abarrotado de coisas, mal ia dar para entrar. Atrás da cortina, seus pés ficariam para fora. Noventa e dois... noventa e três. Não dava mais tempo. Ana agarrou as bonecas pelo cabelo e as jogou no chão, empurrou para debaixo da cama e se enfiou no baú enorme. Se contorceu e fechou a tampa, a cabeça entre os joelhos. Sua posição era desconfortável e o ar era abafado, ali. Tentou cobrir o rosto, para evitar de ser escutada.
- Pronta ou não, lá vou eu!
Era muito difícil continuar quietinha. Sua respiração estava forte e as lágrimas ainda corriam o rosto. Tinha que engolir o soluço e camuflar o desespero até o fim da brincadeira. Ele ainda tinha mudado as regras, que amigo mais bonzinho! Ela não ia precisar correr para o pique. Bastava que se mantivesse escondida por um minuto.
Contou mentalmente. Cinquenta e três segundos... cinquenta e quatro. Cinquenta e cinco. Cinquenta e seis. Faltava pouco para que se completasse um minuto e ela não escutava passos nem risadas de crianças. Deixou escapar uma gargalhada desesperada; estava salva.
Cinquenta e nove.
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