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31 de mai. de 2014

Crítica 7

O citado clássico de Julio Cortázar (1914-1984) discorre sobre a literatura, mas é possível estender a idéia acima a vários tipos de narrativa. No gênero cinematográfico do terror, por exemplo, cabe perfeitamente. Nada melhor para impor medo no espectador do que construir bem a psicologia dos personagens: quanto mais denso este for, mais próximos nos sentimos da tragédia que ele vivencia.
filme japonês Ju-on: The Grudge (2003) - sucesso que já teve uma continuação no mesmo ano e, a exemplo de Ringu (1998), também ganha a sua refilmagem hollywoodiana - trabalha com um tipo diferente de terror. Divide-se em capítulos, cada qual com o nome de um personagem. O filme vai e volta no tempo num período de pelo menos dez anos. E há um único protagonista, o espírito vingativo de uma mulher, morta violentamente numa casa que amaldiçoa desde então. Todos os desafortunados que cruzam o seu caminho e experimentam o "rancor" dotítulo original são coadjuvantes. O diretor Takashi Shimizu opta por não aprofundar esses personagens com morte marcada. Todos ali são "colocados na situação".
Com isso Shimizu nos nega a identificação com o perigo vivido por eles, mas dá à maldição um perverso sentido de perpetuação: durante anos, gerações inteiras serão atingidas, novos personagens sumirão com a mesma velocidade com que apareceram, e não há fim aparente para esse ciclo.
Na hora de dirigir o remake ocidental, O Grito (The Grudge, 2004), Shimizu tem à mão uma série de vantagens técnicas. Efeitos visuais aperfeiçoados tornam sustos mais eficientes, como aconteceu com O Chamado (The Ring, de Gore Verbinski, 2002). Permanecem iguais a narrativa não-linear, o largo alcance do espíritorancoroso. Muitos planos são inclusive idênticos aos originais. Mas o diretor se depara com um paradoxo: precisa dar espaço e valorizar a estrela Sarah Michelle Gellar numa história que, como vimos, tem força por não consagrar personagem algum.
A eterna Buffy vive Karen, assistente social escalada para cuidar de uma senhora idosa na tal casa misteriosa, onde barulhos e cantos escuros escondem um passado escabroso. Sabemos pouco de Karen. Ela gosta muito do seu namorado e ruma aoserviço com a disposição de quem acabou de chegar ao Japão e torce para que tudo dê certo. O problema é que o desenho do seu perfil pára por aí, já que outros tantos personagens ocuparão a tela com papel semelhante. Até o fim do longa caberá a Sarah gritar, correr, tremer, e só.
Convocado a dar maior relevância a essa heróina de última hora, a essa vítima de luxo, Shimizu não consegue "instalar a situação dentro dela" - não consegue fugir da armadilha do filme-mosaico que ele mesmo criou. E assistir a uma Sarah desnorteada, mal aproveitada e mal dirigida, não compromete a experiência, mas deteriora boa parte do potencial de O Grito.

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